A opinião do ex-presidente Lula, publicado no The New York Times em 16 do corrente mês, sobre os motivos das queixas dos jovens brasileiros nas recentes manifestações públicas de Junho passado estão incompletas. Os protestos foram bem amplos nas reinvindicações e com muitas queixas contra a ineficiência dos serviços públicos, mas também foram protestos contra o governo e os políticos que não estão sintonizados e alinhados com as demandas nacionais. Seria importante e esclarecedor que ele houvesse mencionado, de forma mais clara e direta, pelo menos alguns dos antigos problemas brasileiros ainda não resolvidos que levaram as ruas tantas pessoas que estão cansadas de observar as autoridades governamentais, principalmente os políticos, atuarem com muita lentidão e descaso na solução das principais questões que dificultam e emperram o desenvolvimento nacional. A seguir descrevo alguns exemplos de ações necessárias que vem sendo reclamadas pela sociedade há mais de 10 anos:
- Investimentos de comprovada qualidade nos serviços públicos de saúde, transporte e educação;
- Combate implacável à corrupção em todas as instituições, principalmente nos setores responsáveis por licitações, compras e obras públicas;
- Reforma política e eleitoral, de forma que comprometa o eleito com o eleitor, que elimine conchavos, e que não permita a eleição de pessoas que não receberam voto direto;
- Aperfeiçoamento da segurança pública e do sistema penal, com rigoroso combate a criminalidade e efetivo encarceramento de criminosos perigosos;
- Eliminação de privilégios e benefícios excessivos aos políticos que detém salários elevadíssimos, em total falta de sintonia e desrespeito com a capacidade de pagamento das classes mais desfavorecidas.
Outro importante evento que poderia ter sido mencionado pelo ex-presidente se refere aos excessivos gastos públicos para construção de estádios para Copa do Mundo de 2014 da ordem de R$ 8,5 bilhões. Isto foi apenas o estopim para as manifestações. É inconcebível que com tantos problemas em hospitais e escolas públicas existam recursos estatais disponíveis para construção de estádios a serem utilizados em um evento de natureza privada. Estão muito enganados aqueles que pensam que os brasileiros se alimentam e ficam felizes somente com futebol e carnaval. Gostar de eventos esportivos e culturais é uma coisa, ser tratado como trouxa é outra coisa bem diferente.
É importante também mencionar que governo do Sr. Lula foi largamente beneficiado pelas reformas estruturais e econômicas dos governos Itamar e FHC, porém não soube aproveitar convenientemente esta herança, assim como não aproveitou o período de estabilidade da economia mundial para impulsionar a economia brasileira a taxas de crescimento em níveis próximo às demais economias emergentes como Índia e China. No período 2003/2012 o crescimento médio anual do PIB brasileiro foi de apenas 3,6%, enquanto o PIB médio anual da Índia e China, no mesmo período, cresceu 7,7% e 10,5%, respectivamente. O governo Lula se preocupou bastante com os programas sociais, que sem dúvida foram importantíssimos no combate à pobreza e a inclusão social. Porém, achou que somente isso e os incentivos ao consumo seriam suficientes para manter o desenvolvimento econômico e social. O modelo se esgotou. A população está endividada. O mercado interno sozinho não consegue garantir o crescimento. A boa fase da economia internacional ficou para trás e as reformas de base necessárias ainda estão pendentes. Em outras palavras, perdemos o “bonde da economia” e agora teremos que esperar sentados por um novo ciclo favorável.
O país ainda carece de importantes reformas que criem um ambiente econômico propício aos investimentos privados, que gerem renda, empregos, e que permitam as classes mais desfavorecidas construir seu patrimônio para se tornarem independentes, ao invés de ficarem completamente a mercê do suporte de programas governamentais, entre eles, o bolsa família. O país precisa de urgente reforma do sistema tributário e fiscal, extremamente burocrático, ineficiente, injusto, parasitário, perverso, e que conta com as mais altas taxas do mundo e que não oferecem em retorno, benefícios e serviços de qualidade a população, e que ainda limita intensamente a competitividade da economia brasileira. O Brasil cobra impostos de país rico, em 2012 o resultado ficou em torno de 36% do PIB, enquanto países desenvolvidos como Estados Unidos e Suíça, no mesmo período, cobraram 27% e 29% do PIB, respectivamente.
Somente no governo da atual presidente, de forma tímida, e com muito atraso, foram iniciados os procedimentos para investimentos públicos e privados na obsoleta infraestrutura logística nacional, tais como: aeroportos, rodovias, ferrovias e portos, cuja ineficiência tem contribuído decisivamente para afastar os investidores internacionais, além de encarecer os custos dos produtos importados e exportados e ainda contribuir para o processo inflacionário. Ficou para o governo dela a tarefa de colocar a “mão na massa”, de tocar o serviço pesado e de suportar a pressão por resultados mais rápidos. Após 10 anos de governos do PT é absolutamente natural cobrar por tudo o que não foi feito. Se os investimentos adequados tivessem sido feitos desde o início do governo Lula, o nível de desemprego seria muito inferior à taxa atual de 5,8%. São muitas as oportunidades perdidas. É a soma de todo este conjunto de ineficiências que tem emperrado o desenvolvimento nacional, e que tem passado aos jovens a percepção sombria de que o Brasil, país de imensas potencialidades, poderá ser apenas, somente e sempre, um mero projeto de país do futuro. Isso é absolutamente inaceitável.
Raimundo Oliveira
Cientista Político e Social
Link do The New York Times: