Quem assistiu à sessão do Superior Tribunal Federal em setembro passado teve a oportunidade de acompanhar o voto final do ministro Celso de Mello que desempatou a votação em favor dos polêmicos embargos infringentes. Resultado final: seis votos a favor e cinco contra os embargos. Consequentemente, o STF decidiu que doze réus do processo n◦ 470, o famigerado “mensalão”, tem direito a um novo julgamento para os crimes onde houve pelo menos quatro votos vencidos a favor da absolvição. O ministro Celso, por mais de duas horas, de forma eloquente e rebuscada foi buscar nas profundezas do “baú jurídico” os motivos que balizaram seu voto. Foi uma decisão técnica muito bem justificada, mas se fez justiça isso é outra questão. Pena que tanto esforço foi conduzido em favor de réus perigosíssimos. Muito perigosos sim! Principalmente a liderança, que sabia exatamente o que estava fazendo. Esse pessoal cometeu crimes graves como peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, evasão de divisas e formação de quadrilha. Apesar da gravidade, estes crimes ainda assim podem ser considerados leves, quando observamos que o objetivo das manobras que estavam conduzindo tinha o sujo propósito de comprar apoio parlamentar no Congresso Nacional, e assim, obter os votos dos aliados do Partido dos Trabalhadores nos projetos de interesse do governo Lula. Segundo consta nos autos, algumas votações no Congresso Nacional com resultado favorável ao governo podem ser consideradas suspeitas, já que teriam sido conduzidas com base na compra de votos. Somente isso já é gravíssimo. Um verdadeiro atentado à democracia. No longo prazo, se tudo desse certo, quem sabe, com maioria garantida, a ambição pelo poder poderia ter seguido mais adiante, com a tentativa de mudar leis que poderiam assegurar ao PT o controle total dos rumos do país. Estou me referindo a alterações constitucionais que conduzissem a concentração de poder no estilo do Chavismo Venezuelano. Mudanças que poderiam lhes ter garantido controle legítimo do país por métodos ilegítimos. Qual o nome que se dá a isso? Eu respondo com somente uma palavra: Conspiração. Para sorte dos mensaleiros as leis do País não tipificam esse crime. O mais próximo disso na legislação brasileira é o crime de formação de quadrilha.
Em alguns países, esse tipo de manobra para garantir apoio político em troca de dinheiro teria sido grave o suficiente para serem julgados por traição, e se condenados correriam o risco de serem executados. O simples fato de ter ocorrido manipulação de votações no Congresso Nacional já é um crime gravíssimo e dessa forma as penas ficaram muito leves pra eles. Mesmo porque, no que se refere ao núcleo político, à condição de corruptores deveria justificar penas mais pesadas do que aqueles que foram corrompidos e que fizeram o repasse dos recursos. Por esses motivos é que o ministro Celso deveria ter sido mais rigoroso, e negado a eles o direito a esses embargos infringentes que somente existem no STF, e ter aproveitado a oportunidade de sepultar definitivamente essa excrecência jurídica que amplia ainda mais as oportunidades de defesa a quem não merece. Os réus tiveram muitas oportunidades pra se defender. Foram 53 sessões de julgamento em que advogados famosos, de primeiríssima linha, que devem ter sido muito bem pagos pra fazer o serviço se empenharam em defender os acusados. E ainda assim, pela primeira vez na história do STF, conseguiram que a ultima instancia jurídica do país tenha que julgar novamente o que já foi julgado. Mas o esforço deles teve fundamento. A presidente se encarregou de enviar pra lá novos juízes, pra se juntar a outros que lá já estavam e que já vinham favorecendo os réus. Os novos juízes não perderam tempo e já chegaram julgando a favor dos embargos. Portanto, com esse reforço, é bem fácil prever qual será o resultado do próximo julgamento. As novas penas deverão ser inferiores há oito anos, o que lhes garantirá o regime de prisão semiaberto, depois disso, com bom comportamento podem se livrar de dormir na cadeia após cumprir um sexto da pena. Mas com as manobras dos advogados aqui e ali não será surpresa se terminarem cumprindo a pena somente em casa. A triste conclusão é que o pessoal do núcleo político dificilmente ficará uma boa temporada atrás das grades. Quando pensamos que algo está por mudar no país rumo à moralização, mais uma vez a decepção e a impunidade nos bate a porta. Bem vindo ao país da impunidade.
Raimundo Oliveira
Cientista Político e Social