A recente anexação da Crimeia pela Rússia, efetuado com suporte direto de suas unidades militares que forneceram apoio a um referendo local que validou a incorporação da península a Federação Russa, sem autorização da Ucrânia, e ainda, com perguntas que não deram à população a opção em continuar sob administração ucraniana, reacendeu o temor de invasões, guerras e disputas territoriais com fundamentação nacionalista na Europa. O temor é ainda mais elevado porque a intervenção foi conduzida pela Rússia, potência nuclear e membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Conflitos dessa natureza já causaram inúmeros problemas ao velho continente em um passado não muito distante. Os mais recentes, nos Bálcãs, na década de 90, na Bósnia e no Kosovo, também com base em disputas étnicas e religiosas, que deixaram marcas profundas no Sudeste da Europa e demonstraram os riscos que este tipo de conflito pode trazer ao continente. Novamente a Europa se vê desestabilizada, ainda colhendo os efeitos da súbita dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1991, que deu origem a vários Estados Nacionais, mas que de um momento para outro se viram abrigando consideráveis grupos populacionais de diferentes origens étnicas em seus respectivos territórios. Esse fato ocorreu com maior intensidade com os russos, que tem manifestado em maior grau o interesse em viver sob controle político da Rússia. Diversos países que abrigam expressivos contingentes populacionais de idioma russo entraram em estado de alerta, mais precisamente a Estônia, Letônia e Lituânia, preocupadas com a eclosão de movimentos separatistas que ameacem sua unidade territorial e com o temor de uma invasão que lhes confisque territórios habitados por estes povos de origem russa, a título de protegê-los de conflitos étnicos ou de supostas perseguições dos governos locais.
A identidade nacional sempre foi um fator explosivo na Europa e com frequência o estopim de guerras de triste lembrança. Em Setembro de 1938, a Alemanha Nazista de Hitler, seguindo o princípio da integração nacional e racial, com a esfarrapada desculpa de estar trabalhando para unificar os alemães étnicos, pressionou as potências ocidentais, Grã-Bretanha e França, para que não se opusessem as suas pretensões territoriais na jovem República Tchecoslovaca. Para evitar o risco de uma guerra, franceses e britânicos cederam e concordaram em atender as reinvindicações de Hitler e firmaram o acordo de Munique forçando os Tchecos a ceder aos nazistas os Sudetos, região habitada por alemães étnicos. Logo em seguida, seguindo seus planos expansionistas, Adolf Hitler, convicto da fraqueza das democracias ocidentais que vinham cedendo as chantagens nazistas sem esboçar uma reação, violou o acordo recém-assinado e, em Março de 1939 deu sinal verde para que seu exército ocupasse a Boêmia e a Morávia, regiões tchecas que não falavam alemão, destruindo assim a Tchecoslováquia. Essa amarga lembrança tem servido de exemplo histórico para o alto custo que se pode pagar quando não se toma medidas preventivas para evitar o avanço de um ditador.
A vitória da oposição ucraniana que depôs um governo pró-Moscou foi à gota d’água para a ação militar de Moscou na Crimeia, preocupados com o risco da Ucrânia não apenas se tornar membro da União Europeia (UE), mas pior, se tornar membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), o que poderia expor suas fronteiras em seu flanco sul e sudoeste e ainda perder o controle do Mar Negro. A elite dirigente e militar russa ainda guarda um profundo ressentimento pelo desmembramento da União Soviética. O próprio Putin já mencionou que a desintegração da URSS foi o maior desastre geopolítico do século XX. As recentes ações na Crimeia parecem indicar que ele pretende recuperar não somente o prestígio nacional de seu país, mas também incorporar a Rússia outros territórios habitados por populações de idioma russo. Se sim, a retomada da Crimeia seria apenas o início de uma série de medidas ofensivas que poderia resultar na conquista do leste e do sul da Ucrânia, facilitando ainda a absorção da Transnítria, região situada na Moldávia, na fronteira com a Ucrânia, uma estreita faixa terrestre habitada por russos. Para dar esses passos agressivos Putin precisa de uma justificativa para suas ações perante a comunidade internacional. O motivo ideal teria sido uma forte reação militar ucraniana a sua intervenção na Crimeia, que poderia ter servido de pretexto para uma invasão de maior proporção para defender os russos de alguma perseguição. Teria dado a Putin a justificativa para ocupar e anexar os demais territórios habitados por populações em sua maioria de origem russa. Os ucranianos, cientes de sua inferioridade militar, não morderam a isca de Putin e não confrontaram os russos, conseguindo com isso, até agora, evitar uma invasão. Tudo que a Ucrânia pode fazer e tem feito em sua defesa é obter acordos de cooperação econômica com a UE e ajuda financeira dos organismos internacionais e dos Estados Unidos (EUA) para aliviar sua severa crise econômica e assim reduzir progressivamente sua dependência comercial com a Rússia. No front diplomático a Ucrânia tem atuado em conjunto com a UE e os EUA para isolar a Rússia e não permitir que obtenham reconhecimento internacional pela anexação da Crimeia.
O histórico de intervenções russas na Europa Oriental ainda é muito recente para ser facilmente esquecido pelos países da região. Os países bálticos, Estônia, Letônia e Lituânia, membros da OTAN, onde 29,6%, 33,85% e 8% da população, respectivamente, falam russo, estão alarmados com os acontecimentos na Ucrânia e estão recebendo dos EUA reforço no apoio aéreo militar como demonstração da determinação da aliança atlântica em garantir sua integridade territorial. O longo período de dominação a que foram submetidos pelo antigo Império Russo e depois pela União Soviética ensinaram os habitantes dos países bálticos a não confiar em um governo de perfil ditatorial e autoritário na Rússia. Uma coisa é certa. Quando uma potência autoritária efetua um movimento perigoso como este de invadir e anexar uma região que considera sua, há uma forte possibilidade de que exista planos para prosseguir com a mesma política em outras regiões. Não havendo uma reação da UE e dos EUA que bloqueie este avanço, principalmente com medidas econômicas interrompendo novos acordos de cooperação e que demonstre que o preço a ser pago será alto, o agressor certamente continuará testando as demais potências e avançando rumo ao complemento de seus objetivos. As lições do malfadado acordo de Munique em 1938 demonstram claramente o erro em se postergar decisões difíceis, e dessa forma evitar que o custo militar, politico, humano e econômico se torne muito mais alto quando a situação estiver fora de controle.
Raimundo Oliveira
Cientista Político e Social
Rogério vi sua matéria e apesar de não entender de politica senti que à situação é delicada,vamos esperar para ver o que mais vai aconteser.Parabéns pelo seu comentário