A recente reaproximação EUA-Cuba, provavelmente, é o maior destaque político na América Latina dos últimos cinquenta anos, desde a crise dos mísseis nucleares instalados pelos soviéticos na ilha, que quase levaram o mundo ao conflito atômico. A rápida reação americana, obrigando os russos a retirarem as armas, selou o distanciamento americano-cubano desde 1962. Desde então, em plena guerra fria, os cubanos passaram a atuar firmemente do lado soviético incentivando a expansão do comunismo internacional, principalmente na América Latina e na África. Sua maior arremetida externa ocorreu em 1975, quando Fidel Castro, com apoio militar soviético, enviou entre 40 mil e 55 mil soldados cubanos para apoiar o Movimento Popular de Libertação de Angola – MPLA, de ideologia comunista, na guerra civil que se seguiu a retirada portuguesa da ex-colônia.
A reaproximação ainda não significa o fim do embargo econômico e político. O Congresso americano, amplamente dominado pelos republicanos, ainda tem que aprovar o levantamento das sanções. E mesmo que isso ocorra, também não significa que ocorrerá um período automático de larga prosperidade na ilha. O regime comunista cubano continua extremamente fechado e avesso à participação plena do capital na economia. A tendência é de que sejam criadas zonas de livre comércio para se controlar a expansão do capitalismo, e assim, garantir que tenha alcance limitado e não ameace a hegemonia do sistema político. O que o regime cubano deseja de imediato é aumentar rapidamente suas reservas em dólares por meio de atividades econômicas menos impactantes do ponto de vista ideológico, como o turismo, e ampliar o acesso a novas tecnologias para modernizar a sucateada e decadente infraestrutura do país, e claro, evitar o risco de colapso econômico, e também o risco de revoltas internas que poderiam ameaçar a existência do regime.
A dissolução da União Soviética em 1991 selou o fim do bloco comunista na Europa e, praticamente, arruinou a economia cubana, extremamente dependente da ajuda e do comércio com aquele bloco. Em janeiro de 1991 o PIB cubano era de US$ 28.65 bilhões, e caiu para US$ 22.37 bilhões em janeiro de 1994. A economia do país somente se recuperou em 1995 quando o PIB atingiu o indicador de 1991. Para evitar o risco de colapso econômico Fidel Castro precisou buscar ajuda em algum outro país, e foi obtê-lo na Venezuela de Hugo Chávez, que desde 1999 fornece a preços subsidiados o petróleo que Cuba necessita. Atualmente Cuba recebe da Venezuela mais de 100 mil barris de petróleo cru e refinado por dia. Os cubanos retribuem fornecendo serviços diversos mediante o envio de milhares de médicos, enfermeiros, pessoal de segurança, educadores, burocratas e até mesmo grupos paramilitares, logrando intervir, inclusive, diretamente no centro do poder político venezuelano.
Com a queda do preço do petróleo, causado pelo incremento de novas fontes de energia alternativas, e também pela exploração de novas reservas em várias regiões do mundo, inclusive nos EUA, que vem ampliando a produção de óleo e gás a partir do xisto, a economia venezuelana, que depende totalmente das receitas do petróleo, têm sofrido rápida deterioração. Ciente dos riscos de depender de um parceiro que caminha rapidamente para falência, os irmãos Castro não poderiam abrir mão da oportunidade de reaproximação política e econômica com o atual governo do democrata Barack Obama. Consciente de que o modelo comunista cubano nunca foi capaz de garantir crescimento econômico e social sustentável, sem algum tipo de dependência externa, Raúl Castro aceitou o apoio dos “odiados imperialistas americanos”, que Fidel sempre foi especialista em criticar e contra os quais lutou praticamente a vida inteira.
Nos EUA, inclusive entre a comunidade cubana, há uma forte crítica a esta reaproximação. O regime cubano não cedeu em nada. Não houve qualquer compromisso no que diz respeito à libertação dos presos políticos; a liberdade de imprensa e de expressão; ao respeito aos direitos humanos; ao compromisso de não apoiar movimentos revolucionários, subversivos e até terroristas em outros países; e muito menos qualquer possibilidade de abertura política que permita eleições livres com a participação de outros partidos políticos. O partido único comunista continua no poder e é remota a possibilidade de que ocorra alguma mudança. O mais provável é que o regime cubano avance em direção ao modelo chinês, onde o partido comunista controla firmemente o Estado, mas permite que o capitalismo opere gerando a riqueza que o governo precisa para reinvestir nas áreas social, militar e de infraestrutura.
Os comunistas ortodoxos latino-americanos devem estar apavorados com a possibilidade de retorno da economia de mercado a Cuba, que para eles é uma regressão ao suposto avanço socialista em um dos poucos regimes comunistas no mundo. Nunca entenderam que o capitalismo é apenas uma construção humana, o qual, em um regime democrático pleno pode ser regulado por leis que contenha os excessos e evite a exploração econômica das pessoas, e que, ao mesmo tempo, garanta os avanços sociais. Os melhores exemplos desse modelo podem ser observados nas bem sucedidas sociais democracias do norte da Europa, que oferecem nível de vida sem igual a sua população.
Os primeiros passos rumo à normalização das relações diplomáticas com os EUA foram dados. É bem provável que ocorram avanços significativos enquanto os democratas estiverem no poder. Vamos aguardar e assistir ao que vai acontecer.
Raimundo Oliveira
Cientista Social