Em 10 e 11 de dezembro passado, na cidade de Marrakesh, no Marrocos, o Brasil participou da Conferência Intergovernamental organizada pela Organização das Nações Unidas – ONU, na qual esteve representada pelo então ministro das relações exteriores Aloysio Nunes. A conferência foi organizada para que os países participantes aprovassem o documento relativo ao Pacto Mundial para Migração Segura Ordenada e Regular. O Brasil aprovou o documento, dessa forma, reconhecemos oficialmente, assim como mais de 160 países, que as migrações humanas passam a se constituir em direitos humanos e, portanto, nos comprometemos a cooperar ativamente para que a migração funcione para todos. Neste pacto o Brasil admite que nenhum Estado pode abordar o tema migração de forma unilateral. Esta admissão, embora o Sr. Aloysio diga que não, subordina nossas leis, com relação a este tema, as decisões conjuntas dos demais Estados membros que assinaram o compromisso.
Compromissos e Soberania
Segundo o documento, o Pacto Mundial expressa o compromisso de melhorar a cooperação sobre migração internacional admitindo que os deslocamentos humanos geram prosperidade, inovação e desenvolvimento sustentável em nosso mundo globalizado, e que estes efeitos positivos podem ser aperfeiçoados ao se melhorar a governança da migração. Por se tratar daqui em diante de um direito humano, os Estados devem garantir que todos os imigrantes, refugiados ou não, estejam plenamente informados de seus direitos, obrigações e opções de migração segura ao acessarem os respectivos territórios. Segundo a ONU, estima-se que 258 milhões de pessoas estejam atualmente na situação de migrantes internacionais.
No item 15 do Pacto Mundial consta que os Estados tem o direito soberano para determinar sua própria política migratória e de regular a migração dentro de sua jurisdição; poderão distinguir entre o status de migração regular ou irregular e também poderão decidir com que medidas legislativas e normativas aplicarão o pacto, levando em conta suas diferentes realidades, políticas e prioridades, bem como os requisitos para entrar, residir e trabalhar no país, porém tudo isso tem que estar em conformidade com o direito internacional. Portanto, a soberania dos países membros com relação ao tema migração continua subordinada a decisões externas.
A aplicação do pacto sujeita todos os Estados aderentes a assegurar o respeito, a proteção e o cumprimento efetivo dos direitos humanos de todos os migrantes durante todas as etapas do ciclo migratório, assim como se compromete a eliminar todas as formas de discriminação, como o racismo, a xenofobia e a intolerância. Os Estados também devem aumentar a disponibilidade e flexibilidade das vias de migração regular.
Em consonância com o Pacto Mundial que já estava sendo debatido, o Brasil promulgou uma nova lei de migração 13.445 de 24/05/2017 que facilita a entrada de pessoas no território nacional removendo todos os dispositivos que permitiam ao governo brasileiro bloquear a entrada de pessoas segundo o interesse nacional, amparado por decisão do Ministério da Justiça. Com a nova lei, as autoridades nacionais somente poderão evitar o ingresso no país de criminosos, terroristas, ou pessoas que apresentem documentos inadequados, vencidos e/ou falsos, do contrário não poderão impedir a entrada de ninguém, principalmente quando se tratar de refugiados que devem ser prontamente acolhidos.
Direitos Humanos e os Estados corruptos
Do ponto de vista dos direitos humanos o documento da ONU é humanizador e perfeito. Mas também é ótimo, principalmente para governantes de países corruptos, com administrações incompetentes, ditatoriais, ou habituados a cometer crimes contra a humanidade; países que ao invés de resolverem seus problemas internos adotam a opção mais fácil de promover a saída ou de expulsar todos aqueles considerados indesejáveis. Porém, no mundo real, por vezes existem crises financeiras, desemprego em massa, queda de renda, o que dificulta os potenciais Estados receptores em absorver todos os migrantes. Tal situação penaliza quem está trabalhando certo, que passa então a resolver as suas próprias custas não somente seus problemas internos, mas também os problemas criados por outros Estados.
Portanto, a ONU deveria se ater aos itens 12 e 18 do pacto e se empenhar ao máximo em mitigar os fatores adversos que impedem que as pessoas possam viver e trabalhar adequadamente em seus países de origem. Pressionar e enfrentar com firmeza os Estados “exportadores de pessoas” para que se adequem e resolvam seus problemas internos, antes mesmo da formação das crises humanitárias. A ONU deveria atuar diretamente na causa e não na consequência. A migração é um fenômeno humano, sem dúvida. As pessoas viajam e se deslocam para viver e trabalhar em outros lugares por uma série de motivos, inclusive por conta de desastres naturais, mas não pode ser considerado normal quando o deslocamento afeta milhões que se movimentam por força de fatores relacionados a corrupção, a incompetência e a má gestão.
Acesso a informação, direitos e impactos sociais, culturais e religiosos
O Pacto Mundial estabelece também uma série de compromissos dos Estados que aderiram ao acordo, como por exemplo: estabelecer um site na web para difundir ao público todas as informações sobre as opções de migração regular, leis, regras, benefícios, qualificações profissionais, direitos, etc. tudo que possa facilitar a tomada de decisão do migrante antes da viagem. Os Estados também devem estabelecer pontos de informação e serviços de apoio ao longo das rotas migratórias, assim como proporcionar aos recém-chegados ampla informação e orientação jurídica sobre seus direitos e obrigações. Embora o Pacto também especifique que a migração irregular, sem documentos deva ser combatida, o propósito final é regulariza-la, punir os traficantes de seres humanos e absorver as pessoas. No pacto não é utilizada a expressão migração ilegal para evitar a criminalização dos migrantes.
No pacto não há um enfoque claro e contundente dos impactos que os países receptores de migrantes sofrerão com relação aos aspectos culturais, sociais e religiosos. Cabe a eles apenas se adaptar e ajudar a resolver os problemas das desigualdades econômicas entre os Estados. No pacto não há menção explícita com relação aqueles migrantes cuja religião e costumes lhes permita discriminar as demais religiões e subordiná-las, mesmo que pela força, a sua própria religião e cultura. Nenhuma menção ou orientação em como tratar migrantes com costumes no mínimo estranhos, em que são permitidos casamentos de adultos com meninas de 10 anos, que pratiquem a poligamia e tenham várias esposas, que não permitam o trabalho feminino, que só respeitem as suas próprias leis, ou ainda pior, que tenham permissão de suas lideranças para matar aqueles que renunciarem a própria religião ou que adotem práticas homossexuais.
É muito provável que o novo governo Bolsonaro renuncie a este pacto, temeroso dos riscos e desconfiado de que o acordo seja parte de uma estratégia globalista para reduzir a soberania dos Estados. É provável também que o governo envie ao Congresso proposta de alteração da lei de migração, de forma que no conjunto de ações, recupere o controle das fronteiras, no que diz respeito aos critérios e controle de entrada de pessoas subordinando esta movimentação ao interesse nacional. É importante deixar claro que a legislação brasileira já reconhece os direitos humanos de forma ampla, em todas as suas dimensões e não são os compromissos deste pacto que ampliarão o nosso dever de zelar e cuidar das pessoas.
Segurança x restrições constitucionais
No que diz respeito à segurança não é um tema fácil para ser resolvido ou controlado. Nossa Constituição não permite nenhum tipo de discriminação, mesmo que seja para limitar a entrada de pessoas adeptas de costumes e práticas consideradas criminosas, segundo nossa legislação. Vários países europeus, com leis semelhantes ou não as nossas tem enfrentado este tipo de problema e nenhum deles obteve uma solução adequada, exceto aqueles que não assinaram o pacto e trabalham ativamente para evitar a entrada deste tipo de imigrante, como a Polônia e a Hungria.
Caso o Brasil efetue corretamente as reformas econômicas, elimine o excesso de burocracia e regulamentos, reduza impostos e incentive fortemente o livre mercado, o país atrairá bilhões de dólares em investimentos, ampliará os negócios e reduzirá drasticamente o desemprego. O país voltará crescer a passos firmes, mas atrairá inevitavelmente parte dos milhões de migrantes em potencial que estão dispersos pelo mundo, e que pode exceder a quantidade necessária ao desenvolvimento nacional, provocando desemprego e desvalorizando salários.
O atual Congresso Nacional, por escolha do povo, deu uma forte guinada para direita, liberal na economia, mas conservador nos costumes. Seus membros possuem pleno conhecimento dos benefícios e da vertente humanitária da migração, mas também tem ciência dos elevados riscos associados caso esta migração em massa promovida pela ONU seja permitida e até estimulada de forma ingênua, amadora e indiscriminada, sem respeito e compromisso com os cidadãos brasileiros e de outros países, suas crenças, valores e costumes já estabelecidos. Vamos ver o que vai acontecer.
Raimundo Oliveira
Cientista Social
Referências:
Intergovernmental Conference to Adopt the Global Compact for Safe, Orderly and Regular Migration: https://undocs.org/A/CONF.231/3
Report of the Secretary-General Making Migration work for all:
https://refugeesmigrants.un.org/report-secretary-general-making-migration-work-all-0